sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Corpo à vista

Soma de imagens incomparáveis, este poema do mexicano Octavio Paz está entre um dos mais belos já escrito em espanhol, e talvez em todas as línguas. Suas metáforas são de uma solidez e se materializam de tal maneira diante de nossos olhos que ao ler esses versos, ergue-se ainda a velha esperança de que a verdadeira arte pode redimir a nossa fragilidade, a fugacidade de nossos desejos, a corrupção de nossa memória para o amor.
Segue a tradução de Cuerpo a la vista, reflexo de um mundo em que o erotismo das palavras ainda ardia.

Corpo à vista

E as sombras se abriram outra vez e revelaram teu corpo:
teus cabelos, outono espesso, queda de água solar,
tua boca e a branca disciplina de seus dentes canibais, prisioneiros em chamas,
tua pele de pão apenas dourado e teus olhos de açúcar queimado,
lugares onde o tempo não transcorre,
vales que só meus lábios conhecem,
desfiladeiro da lua que ascende à tua garganta por entre teus seios,
cascata petrificada da nuca,
alta meseta de teu ventre,
praia sem fim de teus flancos.

Teus olhos são os olhos fixos do tigre
e um minuto depois são os olhos úmidos do cão.

Sempre há abelhas em teus cabelos.

Tuas costas fluem tranqüilas sob meus olhos
como a costa do rio à luz do incêndio.

Águas adormecidas golpeiam dia e noite tua cintura de argila
e em tuas costas, imensas como os areais da lua,
o vento sopra por minha boca e seu longo queixume cobre com suas duas asas cinzentas
a noite dos corpos,
como a sombra da águia a solidão do deserto.

As unhas dos dedos dos teus pés são feitas do cristal do verão.

Entre tuas pernas há um poço de água adormecida,
baía onde o mar à noite se acalma, negro cavalo de espuma,
cova ao pé da montanha que esconde um tesouro,
boca do forno onde se assam as hóstias,
risonhos lábios entreabertos e atrozes,
núpcias da luz e da sombra, do visível e do invisível
(lá a carne espera por sua ressurreição e pelo dia da vida perene).

Pátria de sangue,
única terra que conheço e que me conhece,
única pátria em que creio,
única porta ao infinito.

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