quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Um legítimo poema de amor

Talvez o maior desafio da literatura, e da própria arte, seja reproduzir não a vida como ela poderia ter sido do Aristóteles e todo o corolário da verossimilhança, mas sim aquilo que vai no íntimo da natureza humana, que se expressa apenas como sentimento. Transmutar esse sentimento para o papel, para uma tela, eis toda a dificuldade técnica da arte. Imerso na tradução do Bukowski, segue um poema bem conhecido que, a meu ver, consegue expressar com dignidade o que é o amor. Mas já falei demais.

confissão

à espera da morte
como um gato 
que saltará sobre a
cama               

sinto terrivelmente por
minha esposa

ela verá este
corpo
duro e
branco
vai sacudi-lo uma vez, depois
quem sabe
outra:

“Hank!”

Hank não
responderá.

não é minha morte o que
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.

quero
no entanto
que ela saiba
que todas as noites
dormindo
ao seu lado

que mesmo as discussões
inúteis
sempre foram esplêndidas

e que as palavras
difíceis
que sempre temi
dizer
podem agora ser ditas:   

eu te
amo.

2 comentários:

  1. comprei o livro da L&PM com suas traduções, parabéns, um bom livro de final de ano... a L&PM com livros luxuosos!
    muito boa as traduções, tenho preferência por essa poesia e gelo para as águias!
    pra fechar só faltou as ilustrações do Robert Crumb, asuhsauhsa

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  2. Me lembrou também do maravilhoso discurso de Heitor para Andrômaca quando eles se despedem no templo:
    "Pois isto eu bem sei no espírito e no coração:
    virá o dia em que será destruída a sacra Ílion.
    Mas não é tanto o sofrimento futuro dos Troianos que me importa.
    Muito mais me importa o teu sofrimento, quando em lágrimas
    fores levada por um dos Aqueus vestidos de bronze,
    privada da liberdade que vives no dia-a-dia:
    em Argos tecerás ao tear, às ordens de outra mulher,
    ou então, contrariada, terás de carregar água na Messénia.
    Mas que a terra amontoada em cima do meu cadáver me esconda,
    antes que oiça os teus gritos quando te arrastarem para o cativeiro."

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