quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Vita brevis

A prosa de Onetti. Este delírio orquestrado que é a prosa de Onetti. Realismo turvo, enredado, corrompido a ponto de se tornar fantasmagórico, o horror domesticado da vida platense (e de toda a vida na cidade), a solidão desertada de esperança. Em A vida Breve, talvez mais do que em O Poço, esta sensação de comédia de erros sem script que é a vida, do nobis cum semel occidit brevis lux (quando de uma única vez se apaga para nós a breve luz) de Catulo, estabelece-se como ponto de partida e de chegada.
Tenho em mente, e é só isso o que quero dizer sobre o livro, a cena em que o protagonista, Juan María Brausen diante do fim do amor, remonta a reação conformada de todos os seus antepassados diante de circunstâncias semelhantes, a natural condescendência nossa com o inevitável de cada dia. Antes da minha paráfrase fuleira se estender, fiquem com a transcrição do trecho:
"... habituei-me a imitar centenas de Brausenes jacentes e desinteressados, colocando a nuca, com respeitosa confiança, no mesmo lugar em que a deles havia estado, acomodando minha estatura às alheias e familiares, sorrindo apenas ao repetir com meus lábios a forma das tranqüilizantes e, por fim, ineficazes negativas inventadas para defender-se da existência e da morte pelos Juan, os Pedro, os Antonio Brausen que me precederam." (Tradução de Josely Baptista)

Até breve, viajante.  

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